Ford Ka 1.0 SE: ele vai fazer falta para o Brasil?

Texto e Fotos | Júlio Max, de Teresina (PI)
Colaboraram nesta matéria | Jesus Elias, Davi Elias, Juliano Francisco

Quando a Ford anunciou o encerramento de sua produção de automóveis no Brasil, em janeiro de 2021, a marca acabou antecipando o fim de produtos que já tinham vários anos de estrada, como Ka, EcoSport e Troller T4. Dentre estes modelos, o Ka era o mais popular: a versão hatchback fechou o ano de 2020 na quinta posição entre os automóveis mais vendidos do Brasil, mas, com seu fim, seu público cativo acabou migrando para outros modelos, como Argo, HB20 e Onix. Para saber se o Brasil vai sentir a falta do Ka no mercado automotivo, ou se já conseguiu superar o fim do compacto da Ford, resolvemos dirigir o hatch na versão 1.0 SE (intermediária entre os modelos S e SE Plus), ano e modelo 2020, para relatar nossas impressões.

Pode-se dizer que esta é a terceira geração do Ford Ka que foi comercializada no Brasil. A primeira, de 1997, ficou conhecida por inaugurar a filosofia de estilo "New Edge". O tempo passou e ele ganhou motor 1.0 Zetec Rocam, propulsor 1.6, versão esportiva (XR) e uma reestilização exclusiva para o Brasil em 2001, porém, por conta das dimensões reduzidas e espaço para apenas quatro pessoas, o Ka naquela época carregava o estigma de ser um produto "de nicho". Para 2008, veio a segunda geração, que na verdade se tratava de uma extensa remodelação sobre o modelo anterior. Continuou tendo carroceria de apenas duas portas, para não canibalizar mercado do Fiesta, mas passou a ser homologado para levar cinco passageiros e a contar com maior porta-malas. Contudo, o sucesso veio mesmo com sua terceira geração, de 2014. Ela se espelhou na fórmula de êxito de modelos como Onix e HB20. Pela primeira vez, o Ka passou a ter carroceria hatch de 4 portas e sedã, além de uma gama de motorizações de três cilindros (1.0 e 1.5).

A última reestilização do Ka ocorreu no ano de 2018. Neste ano, foram executadas modificações no estilo dos para-choques dianteiros e traseiros. Grade frontal e calotas também foram redesenhadas. É um estilo que não surpreende, ainda mais nesta cor sólida Branco Ártico, mas também está longe de desagradar. O Ka traz faróis repuxados na direção dos para-lamas e vincos acentuados no capô. As rodas aro 14 de aço carregam calotas e pneus 175/65. Maçanetas externas e capas dos retrovisores possuem a mesma cor da carroceria a partir da versão SE. Se a Ford tivesse mantido a comercialização do Ka no Brasil, provavelmente em 2022 o modelo passaria por mais uma repaginação para se manter atraente no nosso mercado.

O interior do Ka SE é simples, mas bem-desenhado. Os plásticos rígidos dominam a cabine, com algumas variações de cores e texturas para quebrar a monotonia do ambiente: tanto o volante como a parte central do painel trazem moldura prateada. Os forros de porta dos Ka SE mais recentes deixaram de ter revestimentos de tecido até mesmo na parte dianteira, como (infelizmente) se tornou tendência entre as versões mais básicas dos automóveis de entrada no Brasil.

O quadro de instrumentos tem aparência pacata, mas é informativo. Com detalhes na cor azul, ele traz conta-giros (com ícones de setas para cima ou para baixo sugerindo trocas de marcha), indicador do nível de combustível e, ao centro, o velocímetro acompanhado de uma tela digital que exibe informações do computador de bordo. Este item, num passado não muito distante, só estava presente em versões mais completas do Ka, e, no fim de sua vida, só estava indisponível na versão básica S. 

As informações, que podem ser alternadas ao pressionar uma haste na cúpula dos instrumentos, são: consumo médio, consumo instantâneo, velocidade média, distância percorrida e autonomia. Há ainda luz-espia para indicar que alguma porta foi mal-fechada e alerta sonoro caso os faróis tenham sido esquecidos acesos. Bola fora, compartilhada com o Chevrolet Onix, é o fato de que não existe indicação da temperatura do líquido de arrefecimento do motor. Quando a luz-espia que indica temperatura excessiva se acender, pode ser tarde demais para evitar problemas mais graves ao propulsor. 

O volante é inteiro de plástico, mas o aro possui ranhuras para encaixar melhor os dedos e existe o ajuste de altura para a coluna de direção. Porém, não há botões para operação de som nesta versão.

Pela alavanca de luzes é possível dar seta por 3 vezes com um toque leve para o lado correspondente, sem acionar até o clique. Já na alavanca dos limpadores, existe o controle intermitente variável e a funcionalidade do limpador traseiro ser acionado quando a ré é engatada e o limpador dianteiro está ativo.

Um ponto positivo é a presença do aparelho de som My Connection de fábrica. Apesar da telinha monocromática azul, este rádio já incorpora boas funcionalidades, como comandos de voz, Bluetooth e entradas USB e para iPod. O som possui quatro alto-falantes. A qualidade de reprodução de áudio, no entanto, é apenas regular, e é preciso certa prática para se acostumar com os comandos.

Os comandos de ar-condicionado são simples. Há 4 velocidades de ventilação e botões para recirculação de ar, funcionamento do compressor de ar e desembaçador traseiro. Uma função interessante: é possível, pelo seletor de temperatura, escolher o modo Max A/C, no qual o recirculador de ar e o compressor de ar ficam automaticamente ativados e a temperatura passa para o nível mínimo.

Na parte inferior do painel existe um nicho que acomoda bem um smartphone e está acompanhado de uma tomada de 12 Volts. Também é possível inserir o celular no "MyFord Dock", posicionado no alto do painel e oculto por uma tampa. Quando levantado, ele revela uma entrada USB para carregamento de aparelhos, e pode ter a tampa ajustada mais para cima ou para baixo, acomodando bem smartphones de diversos tamanhos.

O console entre os bancos do Ka é um dos que mais concentra porta-objetos no segmento de hatches de entrada. Estão presentes nada menos que quatro porta-copos e um bom porta-trecos logo atrás da alavanca de câmbio. Existe até um porta-objeto embutido na parte esquerda do painel, que só pode ser acessado com a porta do motorista aberta. Também merecem destaque o espaço do porta-luvas e os porta-garrafas presentes nas portas dianteiras.

Nesta versão, há vidros dianteiros elétricos com acionamento temporizado segundos após desligar a ignição, função um-toque para o motorista (na subida e descida) e botões iluminados. 

Na parte central do painel há botões para fazer o controle do travamento e destravamento das portas (vale mencionar que o travamento das portas ocorre de forma automática a partir de 15 km/h). No piso do motorista, do lado esquerdo, uma pequena alavanca permite a abertura da portinhola do tanque de combustível.

A chave-canivete do Ka conta com botões para travamento e destravamento das portas, além de um comando que, ao ser apertado duas vezes, destrava a tampa do porta-malas, e, mais abaixo, do botão para soar o alarme, facilitando o trabalho de encontrar o veículo.

Ao lado direito dos comandos dos faróis há um botão para fazer o destravamento da tampa do porta-malas.

No forro de teto, os dois para-sóis contam com espelhos, e na peça do motorista existe uma tampa. A iluminação de teto é simples e fica entre as sombreiras. Acima das janelas, espaços vagos lembram que ali existiam alças de teto.

Os cintos dianteiros possuem ajuste de altura, assim como o banco do motorista. Atrás, os passageiros contam com bom espaço para as pernas e cabeça. Nesta versão existe um porta-revista atrás do encosto do banco do passageiro.

O porta-malas do Ka, de 257 litros, é menor do que o da maioria de seus oponentes diretos, mas contra-ataca com a possibilidade de se rebater parcialmente o encosto do banco traseiro, o que permite levar cargas mais longas dentro do veículo junto de um ou dois ocupantes na parte de trás. Houve, inclusive, o cuidado de disponibilizar fendas para encaixar as fivelas dos cintos enquanto o encosto for rebatido, evitando que eles fiquem presos quando houver necessidade de retornar o banco à posição normal. 

O estepe, com roda de ferro de 14 polegadas e pneu 175/65, possui dimensões idênticas às dos outros quatro pneus no chão. Na tampa traseira existe um recuo em seu forro do lado direito para facilitar a operação de fecha-la.

O motor 1.0 Ti-VCT Flex de 3 cilindros em linha, com quatro válvulas por cilindro e pré-aquecimento do combustível na partida, tem rendimento de 80 cavalos com gasolina e 85 cv com etanol, sempre na faixa de 6300 a 6500 rpm. Já o torque é de 10,2 kgfm com gasolina a 3500 rpm e de 10,7 kgfm a 4500 rpm. Este propulsor está aliado ao câmbio manual de 5 marchas.

Em termos de segurança, o Ka já não conseguia competir em pés de igualdade com vários de seus rivais (exceto modelos que pararam no tempo, como Chevrolet Joy e Volkswagen Gol). O compacto da Ford traz airbags frontais, cintos dianteiros e apoios de cabeça ajustáveis em altura para todos os ocupantes, pre-tensionador para o cinto do motorista, fixações ISOFIX e Top Tether para cadeirinhas infantis e freios ABS com EBD, mas o único alerta do não-uso do cinto de segurança é destinado ao motorista e não existiam na versão SE, nem mesmo como opcionais, os airbags laterais e os controles de tração e estabilidade, que só vinham nas versões FreeStyle e Titanium. Enquanto isso, o Onix traz 6 airbags e os controles eletrônicos em todas as suas versões e o HB20 passou a ter 4 airbags e controles eletrônicos desde a versão básica. Pesa contra o Ford Ka o péssimo resultado que o modelo obteve em dezembro de 2020 nos testes de segurança do Latin NCAP: ele proporcionou apenas 34% de proteção para ocupantes adultos, 9% para crianças, 50% para proteção de pedestres e 7% em termos de assistências à segurança. A proteção de impacto frontal foi mediana, enquanto o impacto lateral apresentou proteção torácica fraca, levando o modelo à nota zero neste teste.

Impressões ao dirigir

O Ka se destaca de cara pela direção bastante progressiva, bem leve nas manobras e ganhando o peso correto à medida em que a velocidade aumenta. O conjunto de câmbio merece elogios para a embreagem, fácil de ser manejada, mas os engates de marcha poderiam ser um pouco mais precisos. A ré entra "direto", sem inibidores.

A visibilidade geral é boa, com os retrovisores bem dimensionados. O conjunto de suspensão tem boa calibração: consegue absorver razoavelmente bem as irregularidades do piso com as quais convivemos diariamente e não deixa que a carroceria "role" em excesso nas curvas de maior velocidade. Um ponto positivo é que o nível de vibrações a bordo é relativamente baixo, em comparação com outros carros 1.0 de três cilindros.

Mesmo considerando que o Ka é um dos modelos mais potentes da categoria de hatches de entrada até o presente momento, é preciso ter em mente que ainda estamos diante de um carro 1.0 com motor aspirado e que não é tão leve assim (possui 1042 quilos em ordem de marcha, 53 kg a mais do que um HB20 Sense). Em ultrapassagens e retomadas, com o carro com 4 passageiros e ar-condicionado ligado, o motor demora a embalar o veículo caso o motorista mantenha a quarta ou quinta marcha. A maior disposição do motor se concentra nas três primeiras marchas.

O motor 1.0, por outro lado, brilha quando o assunto é consumo de combustível. Em um registro de 1362,8 quilômetros, o hatch obteve a média de 13,0 km/l de gasolina, com velocidade média de 33 km/h. Vale, também, citar a boa capacidade do tanque de combustível, de 51 litros.

Entre qualidades e defeitos, é possível concluir que o Ford Ka já está fazendo falta no mercado automotivo brasileiro. Afinal, ele era o principal ganha-pão de diversas concessionárias pelo País - algumas delas, inclusive, acabam fechando as portas ao longo de 2021. É preciso ponderar, também, que o Ka ainda tinha uma grande clientela, que acabou se vendo órfã deste carro de uma hora para a outra, encarando dilemas como as incertezas em relação à disponibilidade de peças e no tocante à desvalorização do veículo. Com o fim dos modelos produzidos no Brasil, a Ford, que havia fechado o ano de 2020 como a 5ª montadora que mais comercializou automóveis no Brasil, despencou para a 11ª posição no ranking das marcas (considerando o período entre janeiro e agosto de 2021).

A Ford diz e reafirma que não vai deixar o Brasil de vez, e já prometeu mais alguns lançamentos para nosso mercado: a linha comercial Transit chega ainda este ano, e a picape Maverick começa a ser importada em 2022. Com o fim dos produtos mais populares, a Ranger passou a ser o produto de maior destaque da Ford. Bronco Sport, Territory e Mustang são produtos de nicho - podem até ser lucrativos, mas vendem pouco. E o Edge ST deixou de ser comercializado no nosso País. Com estes prognósticos ainda nebulosos, a Ford ainda vai resistindo no Brasil. Mas será que a marca vai conseguir convencer os consumidores de sua confiabilidade, após este revés tão grande que vimos em 2021?

Vem conferir a Galeria de Fotos do Ford Ka 1.0 SE 2020!



Comentários

Frank disse…
Peças muito frágil com obsolencia programada, um dia depois da garantia vencer diagnosticaram defeito no corpo da borboleta, peça com engrenagem de plástico que deterioram fácil, muito frágil, resultado querem me cobrar 2mil na peça.