Indústria tem maior tombo da história [Coluna Fernando Calmon]


A situação da indústria automobilística é uma das mais difíceis entre todos os setores da economia brasileira. A paralisação em abril de 63 das 65 empresas instaladas aqui (incluindo tratores e máquinas rodoviárias) levou a números incrivelmente baixos: apenas 1.847 veículos leves e pesados produzidos. Um número próximo a fevereiro de 1957 (63 anos atrás) quando o parque produtor mal tinha sido montado e contava apenas com sete fabricantes: Vemag (DKW), FNM, Ford, GM, Mercedes-Benz, Scania e Willys. Havia ainda a Romi (Isetta), fora dos números da Anfavea, por não ser filiada.




Enquanto a produção caiu 99%, os emplacamentos de automóveis e comerciais leves (picapes e furgões) novos registraram apenas 55,7 mil unidades ou 77% inferiores a abril de 2019. Os números reais, no entanto, são um pouco melhores em razão das vendas feitas via internet. Como os carros não puderam ser emplacados pelo fechamento de quase todos os Detrans em razão da pandemia de Covid-19, ficaram excluídos das estatísticas, embora possam circular portando apenas a nota fiscal de compra.

Alguns analistas estimam que as vendas reais possam ter sido até 40% maiores ou 70.000 unidades no mês passado. Este fenômeno está acontecendo também em maio e quando os emplacamentos forem regularizados haverá um crescimento artificial ao computar as vendas represadas.


Os estoques totais em fábricas e concessionárias passaram de 35 dias para 128 dias (mais de quatro meses) e haverá dificuldade em escoá-los porque deve haver um desbalanceamento do mix de produtos já fabricados. Com menos dinheiro no bolso talvez quem comprava as versões de topo, prefira as intermediárias e entre estes alguns talvez optem pelas básicas.


Nos depressivos anos de 1980, o Monza, um modelo médio, foi por três vezes seguidas o mais vendido no País. A explicação: grande parte dos compradores perdeu poder aquisitivo e se retirou do mercado. Atualmente, com muitas opções de modelos pequenos, inclusive SUVs compactos, os financiamentos e as ofertas, aquele fenômeno não deve se repetir. A procura por seminovos certamente aumentará e versões de entrada atrairiam mais apenas na base da pirâmide de vendas.

A indústria e as concessionárias enfrentam os mesmos problemas de falta de liquidez e prejuízos se acumulam. As concessionárias estão sufocadas e pedem abertura para vendas presenciais com os devidos cuidados de higienização (oficinas estão abertas, com pouca procura). A Anfavea reconhece como necessário o rodízio ampliado na cidade de São Paulo que retira de circulação diária 50% da frota (com algumas exceções). Iniciado no último dia 11, vai até 31 de maio.

Essa decisão da prefeitura da maior cidade do País, que responde por 20% de todas as vendas de carros, apresenta prós e contras. A ideia é estimular a utilização do transporte coletivo, onde existe grande aglomeração de pessoas, mas todas são obrigadas a usar máscaras. São Paulo acumula o maior número de casos e de mortes pela pandemia. A alternativa, segundo a prefeitura, seria o lockdown, isolamento em grau máximo, com consequências ainda maiores nas atividades econômicas.

A Anfavea subiu o tom em relação à crise política que assola o Brasil, relacionando-a à disparada da cotação do dólar frente ao real. Isso vai impactar nos preços dos veículos, pois na média 40% dos custos são dolarizados e em alguns modelos recentes até mais.

DIFERENTES ESTRATÉGIAS

Todos os fabricantes de veículos estão empenhados em criar estratégias para enfrentar seus pátios lotados e também os das concessionárias. Será uma verdadeira guerra de promoções e ofertas, tendo ao mesmo tempo de lidar com o inevitável aumento de preços. A condição mais oferecida é adiar ao máximo o vencimento das primeiras parcelas de financiamento, em alguns casos até janeiro de 2021. 

Quem der uma entrada de 50%, fica isento das sete primeiras prestações (caso da Jeep) ou pagar amortizações simbólicas iniciais de R$ 99 (caso da VW).


A Hyundai começou a vender o SUV Creta para locadora pela primeira vez. Antes só o HB20 era oferecido como meio de escoar a produção com grandes descontos. A Ford criou um serviço de desinfecção veicular inédito para modelos de sua marca por preço acessível (R$ 129).

Espera-se que bônus na compra de um modelo novo e supervalorização do usado na troca transformem-se em regra geral.


Já a GM abrirá, na segunda quinzena de maio, a primeira loja virtual em parceria com o Mercado Livre focada no novo Tracker. Todo o processo de compra será digital, envolverá suas 546 concessionárias e até entrega do veículo na casa do comprador neste período de distanciamento social.

Enfrentar o segundo trimestre será um desafio enorme. Apenas em junho surgiria um alívio nas restrições ao comércio tradicional, dependendo da decisão de cada estado e município. Mesmo com ajuda da internet, não adianta produzir, sem ter para quem vender. Até lá, ficar em casa é a alternativa correta.

Fernando Calmon (fernando@calmon.jor.br), jornalista especializado desde 1967, engenheiro, palestrante e consultor em assuntos técnicos e de mercado nas áreas automobilística e  de comunicação. Sua coluna automobilística semanal Alta Roda começou em 1º de maio de 1999. É publicada em uma rede nacional de 98 jornais, sites e revistas. É, ainda, correspondente no Brasil do site just-auto (Inglaterra).

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