Primeiro Volkswagen Fusca fabricado no Brasil completa 60 anos


O dia era 3 de janeiro de 1959. O primeiro Volkswagen Sedan deixava a linha de produção da Anchieta para conquistar o Brasil. Naquele dia, o Fusca – nome pelo qual o modelo passou a ser conhecido pelos brasileiros – inaugurava um legado de histórias incríveis no País.


Os primeiros Volkswagen Sedan, fabricados na Alemanha, chegaram ao Brasil em 1950. Pequeno, com motor traseiro refrigerado a ar e um design totalmente diferente do tradicional à época, quando as ruas eram dominadas por grandes sedãs (a maior parte norte-americanos), o carro chegava a ser um estranho no ninho em seus primeiros anos. Fatores como baixo consumo de combustível e boa resistência mecânica logo começaram a conquistar consumidores. O modelo começou a ser literalmente montado no País, com componentes importados, no ano de 1953, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Mas somente após o início de produção na fábrica Anchieta, em São Bernardo do Campo, em 1959, o Fusca realmente ganharia escala para dominar o mercado nas décadas seguintes.


O dia 3 de janeiro de 1959 foi a data de produção do primeiro Fusca fabricado na Anchieta. Mas o modelo só foi vendido efetivamente quatro dias depois, no dia 7 de janeiro. O comprador foi o empresário paulistano Eduardo Andrea Matarazzo, filho do conde Francisco Matarazzo Júnior – e um grande admirador de automóveis e aviões.

Na época, o Fusca foi vendido por Cr$ 471.200 em uma concessionária na avenida Santo Amaro, na zona sul de São Paulo. O modelo tinha motor traseiro boxer (com cilindros contrapostos) de 1192 cm³, potência de 36 cavalos, câmbio manual de quatro marchas e velocidade máxima de 110 km/h. O aumento no volume de produção em 1959 manteve o preço do Fusca em Cr$ 496.000 durante quase todo aquele ano.

O Fusca 1959 trouxe seis principais aperfeiçoamentos:

1) Barra estabilizadora no eixo dianteiro
2) Cubo do volante abaixado
3) Trincos nas portas acionados por botões de pressão
4) Barra de torção traseira mais elástica e eficiente
5) Para-sol estofado com espuma de borracha
6) Descanso inclinado para os pés do passageiro


No início, em 1959, os anúncios do Fusca reforçavam as suas capacidades técnicas e únicas no mercado. “Valente nas subidas: Volkswagen vence rampas de até 37% de aclives”. Outra propaganda dizia: “Incansável, Volkswagen pode manter velocidade constante de 110 km/h... por muitas horas, sem nunca ferver”. Economia também era o forte do Fusca: “Econômico, Volkswagen faz 13 km com apenas 1 litro de gasolina”.


Com o passar dos anos, os anúncios técnicos e racionais foram ganhando um toque de humor. E assim a Volkswagen revolucionou a propaganda no mundo. O conceito era simples: 80% de imagem, na parte de cima, e 20% de texto, na parte de baixo. Assim passaram a ser as propagandas do Käfer na Alemanha e, por consequência, do Fusca no Brasil. “Lave e use”, dizia uma das peças, com uma mensagem clara de produto simples e confiável. Outra também ressaltava a sua robustez: “Aplique num negócio que não quebra”.


O Fusca também se valia da simplicidade do motor com refrigeração a ar para provocar os concorrentes nas propagandas. “Compre o carro que tem só 4 coisas que enchem” (na imagem, apenas quatro pneus, sem a carroceria). Na época, os concorrentes tinham motores com refrigeração líquida e necessidade de encher o reservatório.



Até Luiz Gonzaga fez parte das campanhas. Em um dos anúncios de TV, o Fusca supera obstáculos difíceis no interior do Brasil, ao som de “Minha vida é andar por este país”, cantada pelo Rei do Baião.


O sucesso do Fusca foi tamanho que o modelo ganhou nomes diferentes em mais de 40 países, quase sempre relacionados ao formato de besouro ou “corcunda”, além do som característico do motor traseiro boxer. Entre eles, os mais conhecidos são Beetle (Inglaterra e Estados Unidos), Käfer (Alemanha), Maggiolino (Itália), Vocho (México), Coccinelle (França), Escarabajo (Espanha) e Bug (Estados Unidos).

No Brasil, curiosamente, o modelo não foi comparado a um besouro. O Volkswagen Sedan ganhou oficialmente o nome “Fusca” em 1983, que surgiu da pronúncia de "folks" (em alemão, o "V" se pronuncia como "f"). E não escapou de apelidos como Fuca, Fuqui ou Fusquinha, em diferentes partes do Brasil.


As mudanças visuais e mecânicas também renderam apelidos, como Fafá (em referência à cantora Fafá de Belém, pelas lanternas traseiras maiores) e Fuscão (para designar o Fusca 1500, de 1970). Teve até Super Fuscão, com motor de 1600 cm³.


Até 1983, o nome comercial do modelo era Volkswagen Sedan. E era comum os clientes dizerem: vou comprar “o Volkswagen”. Todos sabiam que se tratava do Sedan. O motivo é simples: por 24 anos, o Fusca foi o modelo mais vendido do Brasil e o mais conhecido na linha Volkswagen. Por muitos anos, ele teve a companhia da Kombi, do Karmann-Guia, do SP2, do 1600 “Zé do Caixão”, da Brasilia, do Passat... Mas nenhum fazia tanto sucesso com os clientes quanto o Fusca.


Muitos conhecem a clássica foto da inauguração oficial da fábrica Anchieta, em 18 de novembro de 1959, quando o então presidente Juscelino Kubitschek acena para a multidão no banco de trás do Fusca preto conversível.

Nos bancos dianteiros desse Fusca estavam dois executivos da marca: Heinrich Nordhoff, então presidente mundial da Volkswagen, e Friedrich Schultz-Wenk, presidente da Volkswagen do Brasil na época. Ambos aprovaram a construção da primeira fábrica da Volkswagen fora da Alemanha, em São Bernardo do Campo.

Alguns meses depois, em 21 de abril de 1960, Kubitschek, ao lado do então vice João Goulart, discursou na inauguração de Brasília. O Volkswagen Sedan era um dos principais veículos disponíveis para táxi na nova capital do País - eram chamados de táxis-mirins. Em 1966, havia cerca de 350 Fuscas táxis rodando pelas ruas da capital federal.

Nessa época em Brasília, havia relatos de táxi Fusca com mais de 530 mil quilômetros rodados, sem retífica do motor. Era necessário apenas seguir o plano de manutenção e troca de óleo: na época, a cada 2500 quilômetros, sempre com óleo HD de viscosidade SAE 30.


De janeiro a dezembro de 1959 foram emplacadas 8406 unidades do Fusca produzidas na fábrica Anchieta, um número muito superior aos 2268 carros vendidos de 1953 a 1957, quando o Fusca vinha da Alemanha para ser montado no bairro do Ipiranga, em São Paulo. E não demorou para o carro conquistar o Brasil, destronando o Jeep Willys. A partir de 1962, o Fusca já era líder de vendas do mercado brasileiro. Em julho de 1967, a empresa já comemorava 500 mil unidades produzidas no País.



Em julho de 1970, chegava ao seu primeiro milhão, naquela época então sob o comando de Rudolf Leiding. Três anos depois, Wolfgang Sauer assumiu a presidência da Volkswagen do Brasil, consolidando a liderança do Fusca no mercado interno e expandindo as exportações para mais de 60 países, incluindo o Iraque.


O auge do Fusca no Brasil foi entre 1972 e 1974. Em 1972, foram comercializadas 223 453 unidades no mercado interno, mais 6142 exportadas. Em 1974, o recorde: 237 323 unidades produzidas, incluindo exportações. Só o Gol conseguiu superar o Fusca em histórico de vendas totais, em 2011.

Em 1986, quando o Fusca parou de ser fabricado pela primeira vez, apenas 33 568 unidades chegaram às ruas. Ao longo de toda a sua história, o Fusca teve mais de 3,1 milhões de unidades vendidas no Brasil. Era hora de pendurar as chuteiras e abrir caminho para o Gol e sua família BX. E o então novo hatch da Volkswagen quebraria então outro recorde: foi líder de vendas por 27 anos consecutivos.


Em 1950, os primeiros Fuscas chegaram ao Brasil trazendo um detalhe muito peculiar: o vidro traseiro era dividido em duas partes, um sinal de nascença do projeto original. Esse vidro ganhou o apelido de “split window”. Em 1953, a Volkswagen iniciou suas operações de montagem – e junto vinha o novo vidro traseiro, agora em formato oval e não mais dividido.

Quando começou a produção na fábrica Anchieta, em 1959, um dos destaques era exatamente o vidro traseiro, que passava a ter o formato retangular, ampliando a visibilidade e a segurança. Só entre 1950 e 1960, o Fusca ganhou teve 1027 aperfeiçoamentos, especialmente na parte mecânica. Motor e embreagem, por exemplo, receberam 59 alterações nessa época.

Uma propaganda dos anos 60 até ironizava os concorrentes: “O dinheiro que teríamos de gastar, anualmente, com alterações superficiais impostas pela moda, colocando rabos de peixe, fazendo grades triangulares em vez de redondas, preferimos investi-lo em aperfeiçoamentos úteis do nosso modelo”.


Em 1965, chegava o Fusca “Pé-de-boi”, versão simplificada para incentivar a compra por pessoas que até então não tinham como adquirir automóveis zero. Sem adornos, as peças cromadas foram substituídas por peças pintadas. O revestimento dos bancos e teto eram de plástico, mais simples para manter e lavar. Externamente, foram abolidos os retrovisores, frisos, emblemas, piscas e garras do para-choque. Por dentro, o painel de instrumentos ostentava apenas hodômetro e velocímetro - para verificar o nível de combustível era preciso recorrer a uma vareta de bambu junto ao tanque. 



Muitas pessoas aprenderam a dirigir em um Fusca, especialmente entre os anos de 1950 e 1980. Afinal, era um carro prático de dirigir, em especial para quem estava aprendendo a lidar com volante, pedais e trocas de marcha. Nos anos 50, enquanto o mercado era abastecido basicamente com veículos maiores, o Fusca se mostrou rapidamente uma ótima opção para as auto-escolas.

Nessa época, as auto-escolas ainda estavam em processo de regulamentação. Passou a ser comum auto-escolas substituírem toda a frota de grandes sedãs importados por Fusca. Era mais fácil de dirigir – e de consertar. Na época, além dos exames teórico e prático, os candidatos à carteira de motorista também deviam aprender noções de mecânica – e nisso o Fusca era insuperável.


Em 1985, a Volkswagen vendeu cerca de 5 mil motores de Fusca para quase 70 empresas em diferentes ramos de aplicações. O conhecido motor de quatro cilindros contrapostos ganhou aplicações talvez nunca imaginadas por Ferdinand Porsche. Já equipou motos, empilhadeiras, máquinas de varrer ruas, ultra-leves, girocópteros, veículos anfíbios e até barcos.


As derivações mais conhecidas talvez sejam os buggies, feitos em sua maioria com carroceria de plástico reforçado por fibra-de-vidro. O baixo peso, pneus traseiros largos e potência do motor VW boxer fazem do buggy o veículo ideal para estradas de terra e dunas no Nordeste do Brasil. Não é à toa que os modelos até hoje dominam a paisagem no litoral do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, entre outros estados.

Os motores de Fusca também equipavam ultra-leves, usados em larga escala em regiões de praia e zonas rurais. Já os aerobarcos eram o transporte alternativo para as regiões alagadas ou para cidades à beira de grandes rios, mais comuns nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.


O Fusca nunca teve a pretensão de ser um carro esportivo ou mesmo de dominar as pistas de corrida no país. Mas sua versatilidade e facilidade mecânica estimulavam os mais variados tipos de competição nos anos 60 e 70.

Motor boxer 1200, transmissão, rodas e suspensão do Fusca serviram de base para os monopostos da Fórmula Vê, uma “categoria-escola” criada em 1967 no Brasil. O sucesso da competição impulsionou as carreiras de José Carlos Pace e dos irmãos Emerson e Wilson Fittipaldi, antes da fase europeia e da chegada à Fórmula 1. A Fórmula Vê também revelou o piloto Nelson Piquet, depois tricampeão de F-1.

Em 1969, outro grande passo: o projeto Fitti-Volks. Tratava-se de um Fusca com dois motores de 1600 cm³ acoplados na parte traseira, proporcionando desempenho equivalente a superesportivos da época.

Em 1970, a Divisão 3, em que corriam Fuscas com aparência quase original, mas com preparação praticamente livre, revelou também outros expoentes do automobilismo nacional, como Ingo Hoffmann e Alex Dias Ribeiro.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, quando o Fusca voltou a ser fabricado em Wolfsburg (Alemanha), muitas unidades foram destinadas para utilidade pública, como médicos, socorristas, polícias, bombeiros e correios.

No Brasil, o Fusca também foi largamente utilizado pelas polícias Civil e Militar, desde os anos 60. Em muitos casos, o Fusca era preto, com teto pintado de branco ou laranja (às vezes, pintava-se o capô também). A sirene e a luz no teto dependiam de cada corporação. E não tardou para o modelo ganhar mais um apelido: “baratinha”.

Algumas unidades do Fusca dos anos 70 foram utilizados no interior de São Paulo até 2012. O Fusca inclusive já ganhou várias homenagens nos batalhões, tamanha a importância para o serviço policial. Em 1993, a Academia da Polícia Militar ostentava um Fusca, utilizado como rádio patrulha. Em 2017, um Fusca usado pela Polícia Civil de Taubaté foi totalmente restaurado e utilizado em exposições. No ano passado, a Polícia Militar de Araraquara restaurou um Fusca usado como viatura e fez uma homenagem aos veteranos da PM. 


O Fusca parou de ser produzido em 1986, especialmente pelo fato de ser um projeto com o velho esquema de ter a carroceria fixada sobre chassi, que dificultava o desenvolvimento de veículos em “família”. Nessa época, a família BX (Gol, Voyage, Parati e Saveiro, construídos em monobloco) faziam mais sucesso e eram mais baratos de serem produzidos.


O retorno da fabricação ocorreu em 1993, sete anos após sua paralisação. A pedido do então presidente da República, Itamar Franco, o carro voltou a ser produzido (demandando a recompra dos velhos ferramentais), em uma versão movida exclusivamente a etanol, e parou de ser fabricado em 1996. Daí surgiu outro apelido: “Fusca Itamar”. Havia algumas poucas diferenças em relação ao modelo de 1986: para-choques na cor da carroceria, novas faixas laterais e logotipo traseiro, além do volante e bancos do Gol.


Internacionalmente, o Fusca continuou a ser fabricado no México – onde é conhecido como "Vocho" – até julho de 2003. A série final Última Edición teve 3000 unidades produzidas. Esteve disponível em apenas duas cores (azul e bege), e interior cinza ou preto. Um sinal de modernidade no interior era o rádio com CD Player e 4 alto-falantes. O último Fusca (foto acima) foi produzido no dia 30 de julho daquele ano, totalizando 21 529 464 unidades em quase 70 anos de história.


A importância do Fusca para o país é tão grande que o modelo foi homenageado, em janeiro de 1989, com o “Dia Nacional do Fusca”, todos os dias 20 de janeiro. Mundialmente, o Dia do Fusca é comemorado em 22 de junho, data em que Ferdinand Porsche assinou o contrato que deu início ao desenvolvimento e fabricação do Sedan, em 1934.


O Volkswagen foi concebido, na década de 1930, pelo engenheiro austríaco Prof. Dr. Ferdinand Porsche. O início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, impediu que a produção do carro ganhasse volume, mas durante o conflito a fábrica produziu milhares de veículos militares leves utilizando sua plataforma mecânica, com motor refrigerado a ar.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, apenas 630 unidades do KdF-Wagen, como era chamado, haviam sido construídas. Em junho de 1945, o Governo Militar Britânico assumiu o controle da fábrica, no local que se tornaria a atual Wolfsburg, com sua força de trabalho de cerca de seis mil pessoas. Em 22 de agosto de 1945, o recém-designado Oficial Residente Sênior, Major Ivan Hirst, obteve um pedido inicial de 20 mil Sedans, assegurando assim o futuro da fábrica e seus trabalhadores e evitando a ameaça de desativação e desmontagem.

Os veículos deveriam ser usados principalmente pelos ocupantes aliados, mas também para prestação de serviços de saúde em áreas rurais. A produção ficou praticamente estagnada em torno de mil veículos mensais durante 1946 e 47. Somente após a reforma monetária de junho de 1948 surgiria um número significativo de compradores privados.


As raízes britânicas da Volkswagen ainda podem ser percebidas na atualidade. Foram os ingleses que converteram a fábrica para a produção civil e focaram na qualidade dos veículos. Eles dedicaram muita atenção aos serviços e à satisfação das necessidades dos clientes, estabelecendo uma rede de concessionários que, já em 1948, cobria todas as três zonas de ocupação ocidentais da Alemanha. O início das exportações, em outubro de 1947, marcou o primeiro passo em direção ao mercado internacional.

Quando a empresa Volkswagenwerk GmbH foi repassada para o controle alemão, em outubro de 1949, estava bem posicionada para a largada do Milagre Econômico da Alemanha. O Fusca foi um fator-chave no desenvolvimento da democracia e da mobilidade na Alemanha do pós-guerra e, subsequentemente, foi acolhido em muitos outros países, atuando como um importante embaixador na promoção de uma imagem positiva para o país. 


Para homenagear os fãs do Beetle nos Estados Unidos, a Volkswagen prepara uma despedida à altura. O modelo vai ganhar a versão Final Edition, com carroceria hatch e Cabriolet, apresentada no Salão de Los Angeles, no fim de 2018.

Essa série será inspirada na Última Edición do Fusca, de 2003, quando a primeira geração do lendário Volkswagen foi de fato descontinuada. A Final Edition estará disponível com as cores bege (Safari Uni) e azul claro (Stonewashed Blue), além dos tons branco (Pure White), preto (Deep Black Pearl Effect) e cinza (Platinum Grey). Não há previsão de comercialização do Beetle Final Edition no mercado brasileiro.

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