Uma tese audaciosa [Coluna Fernando Calmon]


O ano de 2018 termina e 2019 começa ainda sob influência das maiores incertezas que já se abateram sobre o futuro da indústria automobilística mundial. Não existem dúvidas em relação à importância dos quatro temas principais repetidos a toda hora: eletrificação, conectividade, direção autônoma e compartilhamento. Cada um deles, porém, tem seus próprios desafios.

Grandes grupos de fabricantes ao redor do planeta apresentam uma visão algo mais ou algo menos corajosa sobre esses temas. Eles surgiram quase ao mesmo tempo, muitas vezes influenciados por decisões políticas ou estímulos de governos.

Torna-se preocupante e pode levar a um rumo perigoso a gigantesca exigência de capital para investimento. Haverá dinheiro suficiente para desenvolver simultaneamente quatro frentes? Conectividade e direção autônoma apresentam alguma interatividade. As outras duas, menos.


Compartilhamento é um campo em que colaboração e parceria podem conter gastos. Agora mesmo, arquirrivais como BMW e Mercedes-Benz anunciaram a aprovação de autoridades americanas e europeias para um plano de juntar forças numa única empresa em cinco iniciativas: mobilidade multimodal sob demanda; compartilhamento de veículos em cidades; serviços de carona em autos particulares ou táxis por aplicativos; estacionamentos conectados para agilizar o uso, diminuindo o tempo de procura por vagas; construção de uma rede integrada de recarrega de baterias.

Tudo isso parece insuficiente para resolver todos os desafios. Continua a falta de consenso e mesmo convergência tecnológica sobre como mover e abastecer ou recarregar carros elétricos. O automóvel em si não apresenta segredos. Pode ser até mais barato projetá-los e fabricá-los. Mas a reciclagem de baterias ainda é um sério problema em aberto. Veículos autônomos podem receber propulsão clássica ou elétrica, embora os custos ainda se mostrem estratosféricos.

Nos EUA, segundo maior mercado do mundo e mais rico do que qualquer outro, as estratégias de curto e médio prazo diferem entre GM, Ford e FCA. A primeira decidiu apostar todas as fichas apenas em elétricos puros, descartando híbridos e desacelerando o mais rápido possível investimentos em motores a combustão. Ford e FCA agem de modo cauteloso, sendo que a FCA só este ano anunciou um plano de médio prazo focado em transição conservadora.

Para inflamar as discussões, Jack Baruth, colaborador da revista americana Road & Track, escreveu instigante artigo sobre táticas empresariais ligadas ao futuro. Ele defende não aplicar nenhum centavo nessas novas tecnologias até aparecer uma solução real e prática. Preconiza, ao contrário, despejar dinheiro para melhorar muito os carros e motores convencionais, o que daria grande vantagem competitiva nos próximos anos. E quando chegar a hora de mudar, não serão dois ou três anos de atraso que farão diferença.

Para Baruth, qualquer bateria ou novos avanços em motopropulsão até 2025 não seriam disruptivos o suficiente para agitar o mercado de verdade e, de forma rápida, tornar-se universal. “Então por que gastar agora bilhões de dólares em busca do ‘Santo Graal’ se, mais adiante, a tecnologia pode ser comprada quando começar a cair de preço?”

Trata-se de tese audaciosa. As coisas podem não acontecer de modo tão simples porque há pressões políticas envolvendo aspectos do meio ambiente e utilização de automóveis nos grandes centros urbanos. Embora possa se aplicar aos EUA e, curiosamente, também aos países em desenvolvimento (como o Brasil), esperar para ver passa longe de ser ideia descartável.


Fernando Calmon (fernando@calmon.jor.br), jornalista especializado desde 1967, engenheiro, palestrante e consultor em assuntos técnicos e de mercado nas áreas automobilística e  de comunicação. Sua coluna automobilística semanal Alta Roda começou em 1º de maio de 1999. É publicada em uma rede nacional de 98 jornais, sites e revistas. É, ainda, correspondente no Brasil do site just-auto (Inglaterra).

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