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DKW-Vemag Belcar 1000: marcou época com o slogan "3=6" |
Já faz tempo que os motores 2-tempos vem sendo encarados no mercado automobilístico como mera sombra de um passado cada vez mais distante, embora esse layout ofereça algumas vantagens. Um caso emblemático é o dos DKW produzidos sob licença pela extinta Vemag entre '58 e '67, que com um motor de 3 cilindros e 1.0L prometiam desempenho equivalente a um motor 4-tempos com 6 cilindros e o dobro da cilindrada, tanto que um dos motes publicitários da época era "3=6". A bem da verdade, as "janelas" de transferência (para a mistura ar/combustível adicionada de óleo subir do cárter para os cilindros) e de escapamento um tanto acanhadas deixavam o desempenho mais modesto, próximo ao de motores 4-tempos de 1.4L ou 1.6L, mas com apenas uma boa lixa já era possível ampliá-las o suficiente para, com o auxílio de ajustes na carburação, transformar 50 pôneis malditos em um pequeno haras com mais de 100 puros-sangues.
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O eixo montado no cabeçote de um motor DKW: apenas para mover a ventoinha do radiador |
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2-tempos |
Dependendo apenas da subida e descida do pistão para controlar o fluxo, até pode ser apontada como desvantagem a falta da vedação que uma válvula de escapamento proporcionaria enquanto a transferência é efetuada, permitindo que uma parte da mistura ar/combustível siga em direção ao escapamento ainda crua, mas uma simples câmara de reflexão (aquele "balão") no coletor de escapamento já é suficiente para minimizar esse problema sem encarecer e agregar muita complexidade como válvulas fariam. Com a admissão (no cárter) ocorrendo simultaneamente à fase de compressão (de mistura previamente admitida), e o mesmo se aplicando para o escape e a transferência subsequente durante a fase de expansão, definindo os 2 tempos em que o processo de combustão é efetuado, eliminam-se os chamados "pontos mortos" (superior entre compressão e expansão, e inferior entre expansão e escape) observados num motor 4-tempos convencional (ciclo Otto), reduzindo consideravelmente as chamadas "perdas por bombeamento" que hoje são uma pedra no sapato dos engenheiros...
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4-tempos (ciclo Otto) |
Nos automóveis híbridos, como o Toyota Prius, um artifício usado para reduzir as "perdas por bombeamento" é retardar o fechamento da válvula de admissão, diminuindo a compressão dinâmica por regurgitar parte da mistura ar/combustível no coletor de admissão de modo a fazer com que o curso de expansão seja mais longo que o de compressão, o chamado "efeito Atkinson", numa referência ao motor desenvolvido pelo inglês James Atkinson que usa um virabrequim articulado, reputado inviável para o uso veicular devido ao maior custo de produção inerente à complexidade acrescentada. Caso fossem aplicados motores 2-tempos ao invés de recorrer a esse expediente, na prática não seria tão incoerente à proposta "ecologicamente-correta" por trás do sucesso comercial dos híbridos...
Considerando especificidades inerentes à operação de um híbrido, é importante frisar que a correta lubrificação é um ponto particularmente crítico, necessitando de um controle mais preciso da pressão do óleo para evitar que o cabeçote fique mais "seco" entre desligamento e arranque automáticos do motor a gasolina em tráfego urbano pesado, condição em que a tração puramente elétrica é priorizada. Normalmente recorre-se a uma válvula montada na base do filtro de óleo para diminuir o fluxo de retorno em direção ao cárter, visto que nos motores 4-tempos a lubrificação é por recirculação do óleo, ao contrário dos 2-tempos onde é totalmente consumido durante o processo de combustão. Pois bem, esse é outro aspecto polêmico sob o ponto de vista ambiental: além da combustão evitar um descarte inadequado que poderia resultar em contaminação do solo e água, vale lembrar que a experiência no uso de lubrificantes de origem renovável já é mais comum nos 2-tempos, notabilizada pelo óleo de mamona muito usado em karts, além de se diluir melhor mesmo na gasolina brasileira com adição de etanol anidro, atendendo bem às necessidades de um motor 2-tempos "flex"...
Esforços para reabilitar os motores 2-tempos vem sendo realizados desde a última metade da década de '80, tendo na adoção da injeção direta de combustível (mantendo no entanto a transferência para o óleo e o ar) um dos recursos mais promissores para aumento da eficiência geral e controle de emissões. Dentre os que apostaram nessa possibilidade, merece destaque a Chrysler, que entre '89 e '95 chegou a desenvolver um motor de 1.5L com 3 cilindros, bloco e cabeçote em peça única (eliminando a junta de cabeçote e possibilitando uma refrigeração mais uniforme), duas velas por cilindro e injeção direta, projetado em parceria com a Mercury Marine, cogitado para ser oferecido no Neon a partir de '97.
Outro caso bastante conhecido foi o do motor 2-tempos de 1.2L e 3 cilindros com injeção direta apresentado em '92 pela empresa de consultoria técnica australiana Orbital Engines e desenvolvido em parceria com a Ford, que visava usá-lo no Fiesta de 3a geração. Apesar de resultados promissores em testes de campo, e da previsão de oferecer comercialmente essa opção em '95, casualmente o ano da introdução do Fiesta no mercado brasileiro, a mesma justificativa questionável sobre as emissões foi dada para não aplicar a tecnologia para o grande público. Foi salientada também a possibilidade dos consumidores rejeitarem a necessidade de reabastecer o reservatório de óleo periodicamente, ignorando que tal procedimento seria mais rápido e até higiênico que uma troca de óleo num motor 4-tempos. Uma vantagem da injeção direta é a lubrificação mais precisa e econômica, por preservar melhor as propriedades do óleo, podendo variar automaticamente a proporção (em partes de combustível para uma de óleo) entre 90:1 e 450:1 e mantendo uma média de 230:1 no caso do sistema Orbital, enquanto num motor que necessite da mistura do óleo à gasolina (ou etanol/metanol) o mais comum é entre 50:1 e 20:1. Mesmo em motores 2-tempos que usem carburador, como o da Yamaha Jog, já é possível reduzir sensivelmente o consumo de óleo ao usar um sistema de mistura automática com o lubrificante acondicionado num reservatório separado, ainda que numa proporção menor que a ocorrida com a injeção direta, pois quando o combustível ainda passa pela transferência acaba por diluir o óleo.
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Não há, portanto, uma razão plausível para que os motores 2-tempos sejam relegados ao ostracismo pela indústria automotiva, que segue condicionando o consumidor a ficar de 4...
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