Motor 1.0L de 3 cilindros: quando menos pode ser mais [Metralhadas do Kamikaze]

Volkswagen up!: o layout mais compacto de um motor de 3 cilindros é essencial para otimizar o espaço sob o capô

Se tem um povo cheio de preconceitos quando o assunto é carro, esse povo é o brasileiro. Foi assim com o motor 2-tempos na época do DKW-Vemag (que também era 1.0L de 3 cilindros, diga-se de passagem), com a tração dianteira, com carrocerias de 4 portas, e por aí vai. Agora o grande motivo para uma eventual histeria coletiva entre os mecânicos de fundo-de-quintal e os relaxados que insistem em tratar motores modernos como se fossem um AP (que pode ser lubrificado até com banha de porco sem criar borra no cabeçote) é a maior presença de motores de 3 cilindros entre os carros populares.


Algumas vantagens práticas dessa configuração são o menor volume físico e redução do peso, viabilizando a aplicação em modelos com maior restrição de espaço no compartimento do motor, como é o caso do Volkswagen up! e do Kia Picanto. Enquanto o Volkswagen está disponível mundialmente apenas com o motor 1.0 de 3 cilindros, o Kia até tem versões com um motor 1.25 de 4 cilindros em outros países, mas o propulsor mais compacto tem como vantagem a melhor acessibilidade a componentes que venham a necessitar de substituição ou reparo.

É natural que a busca por uma redução de custos operacionais tenha levado a um maior interesse dos fabricantes por esse layout, favorecido pela menor quantidade de matérias-primas e economia de energia nos processos de fabricação, mas nem por isso pode-se dizer que é uma economia porca. Para quem vê numa maior quantidade de cilindros um motivo para ostentação, convém lembrar que toda vaidade cobra seu preço: numa comparação entre um motor 1.0L de 3 cilindros e outro de 4 cilindros, ambos com a mesma quantidade de válvulas por cilindro para manter a disputa equilibrada, o "3 canecos" tem vantagem pela menor quantidade de peças móveis, logo tem menos atritos internos e pode rodar mais livre, vencendo mais facilmente a inércia.


Nesse aspecto, convém recordar o caso do Suzuki Swift, que com o motor G10 de 3 cilindros e 993cc (331cc por cilindro) alcançava potência de 55 cv a 5700 RPM e torque de 8 kgf.m a 3300 RPM usando injeção eletrônica monoponto, ou 48 cv a 5100 RPM e 7,8 kgf.m a 3200 RPM em versões com carburador, enquanto o primeiro Chevrolet Corsa recorria a um 4-cilindros de 999cc (249,75cc por cilindro) para gerar 50 cv a 5800 RPM e 7,8 kgf.m a 3200 RPM.


O maior volume individual de cada cilindro também faz com que os pulsos de torque sejam mais vigorosos, além de haver menos perdas por bombeamento ao considerar que a soma do volume dos demais cilindros é menor, e assim ganha-se não só em desempenho como também em economia de combustível. Usando um exemplo mais contemporâneo, o Volkswagen Fox BlueMotion com motor EA-211 (1.0 MPI) de 3 cilindros e 999cc (333cc por cilindro, bombeando 666cc de volume morto a cada pulso) gera de 75 a 82 cv a 6250 RPM e de 9,7 a 10,4 kgf.m sustentado numa curva plana entre 3000 e 4300 RPM, alternando entre os valores quando abastecido com gasolina ou etanol, enquanto versões do Fox equipadas com o já antigo motor EA-111 (1.0 TEC) de 4 cilindros e 999cc (249,75cc por cilindro, bombeando 749,25cc de volume morto a cada pulso) entrega de 72 a 76 cv a 5250 RPM e torque de 9,7 a 10,6 kgf.m a 3850 RPM. Logo, embora o pico de torque no EA-211 usando etanol seja ligeiramente inferior, abrange uma faixa mais ampla de rotações, proporcionando uma significativa melhora em arrancadas e retomadas.


Como no Brasil a proposta do carro popular acaba sendo um uso menos especializado do que o cenário operacional estritamente urbano ao que a maioria dos 1.0 é submetida em mercados mais desenvolvidos, visando atender a todas as necessidades de transporte de um núcleo familiar que muitas vezes não pode se dar ao luxo de manter um veículo de desempenho mais vigoroso para viagens, o motor de 3 cilindros demonstra ser apto a proporcionar uma maior segurança em eventuais percursos rodoviários sem comprometer a economia esperada no uso predominantemente urbano, e a maior resiliência a fatores de carga mais altos faz com que seja uma decisão acertada no segmento de sedãs compactos, tomando como exemplo o Hyundai HB20S.


Sobre o autor

Daniel Girald, gaúcho de Porto Alegre, mais conhecido como Kamikaze, estudante de Engenharia Mecânica com alguma experiência anterior em mecânica automotiva e de motocicletas, contribuindo no Auto REALIDADE quinzenalmente (na primeira e na terceira sextas-feiras de cada mês) para abordar temas técnicos escolhidos mediante sugestões de leitores, ou aleatoriamente entre as novidades mais destacadas no mercado como na estréia da coluna. Defensor ferrenho da liberação do uso de motores a diesel em veículos de qualquer espécie.


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