Hidrogênio: solução ou confusão?


Estudo recente da Shell prevê que petróleo e derivados só deixarão de ser fonte de abastecimento de veículos em 2070. O pico da demanda ocorreria em 2035, quando combustíveis alternativos, como o hidrogênio, passariam a representar papel crescente. Na realidade a tração elétrica terminaria por se impor, porém há duas vertentes para isso.

Uma seria a conhecida bateria, utilizada há mais de 100 anos, que continua a dever muito em autonomia, peso, volume, tempo de recarga e, em especial, preço, sem falar da infraestrutura a instalar. Também falta equacionar a origem de produção de eletricidade ainda centrada em carvão e gás natural. A depender da matriz energética de cada país, as emissões de CO2 (um dos gases responsáveis pelo aquecimento da atmosfera) poderão não diminuir em relação aos motores atuais mais eficientes. E se o abastecimento é com etanol de cana os elétricos não trariam vantagens (pelo contrário), se as preocupações fossem apenas mudanças climáticas.


A segunda opção para carros elétricos é a pilha a combustível. Conhecida desde 1838, tem fluxo contínuo de eletricidade. Há dois tipos: geração a bordo de hidrogênio por um reformador abastecido a gasolina, diesel, gás natural ou álcool (metanol ou etanol); fornecimento direto de hidrogênio a partir de um tanque pressurizado a 700 bar (3,5 vezes mais que um cilindro de GNV).

Pilha a combustível (fuel cell, em inglês) tornou-se opção às baterias de automóveis há 20 anos. Hidrogênio combina-se ao oxigênio do ar para gerar eletricidade e subprodutos simples: calor e vapor d’água. Reformador a bordo perdeu interesse para o tanque de hidrogênio.


Embora vários fabricantes tenham desenvolvido protótipos, só a Honda iniciou uma experiência prática, em 2008, com 40 unidades. Hyundai, Toyota, Daimler, Nissan, BMW e Volkswagen, entre outras, se animaram e vão produzir automóveis com essa tecnologia em estágio bem inicial.

As empresas petrolíferas parecem conformadas de que a era do combustível de origem fóssil termina no século 21. Não pelo esgotamento e sim por restrições ambientais. A Shell afirma que pilha a hidrogênio para motores elétricos é a solução, mas exigirá uma rede capilar de postos de abastecimento a ser criada.


Só faltou combinar o discurso com os fabricantes de baterias. Elon Musk, dono da fábrica americana de carros elétricos Tesla, foi contundente. “É puro marketing, só papo-furado”, disparou. Musk, o bilionário fundador do site de pagamentos PayPal, não produz baterias. Mas, apostou que podia juntar milhares de pequenas unidades de íons de lítio, tamanho AA, e aumentar a autonomia de seu Model S para mais de 400 quilômetros, o que nenhum veículo elétrico alcançou.

A era do hidrogênio, no entanto, traz gigantescos desafios. Um posto básico desse gás custa, hoje, em torno de R$ 3,5 milhões, de cinco a oito vezes mais que um convencional. Também precisa se saber a fonte de obtenção do hidrogênio – a própria energia elétrica, uma delas – e estudar o balanço de CO2. E, finalmente, o preço de um automóvel com pilha a hidrogênio.

Portanto, continuam mais dúvidas do que certezas sobre como mover o mundo. Além da briga entre bateristas e hidrogenistas, cada um puxando para o seu lado.

Fernando Calmon (fernando@calmon.jor.br), jornalista especializado desde 1967, engenheiro, palestrante e consultor em assuntos técnicos e de mercado nas áreas automobilística e de comunicação. Sua coluna automobilística semanal Alta Roda começou em 1º de maio de 1999. É publicada em uma rede nacional de 98 jornais, sites e revistas. É, ainda, correspondente no Brasil do site just-auto (Inglaterra).

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