Ataquem as mazelas [Alta Roda]


Uma pena o sistema tributário brasileiro esconder o peso dos impostos sobre veículos. Existe, aliás, uma nova lei (adiada) que obriga a discriminação na nota fiscal, mas há dois problemas. Primeiro, o cipoal de impostos, taxas e contribuições ao longo da cadeia produtiva leva a um cálculo impreciso. Segundo, as tabelas deveriam ter dois preços, com e sem impostos, como informação fundamental ao consumidor.

É bom relembrar a diferença entre participação de impostos em mercadorias ou serviços e carga tributária. Esta equivale a dividir o preço com imposto pelo preço sem imposto. À medida que as alíquotas sobem a oneração torna-se exponencial; não se trata de cálculo linear. Se uma mercadoria custa 94 (sem imposto) e 100 (com imposto), por hipótese, a divisão resulta em 1,064 cuja expressão centesimal é 6,4%.


No Brasil, a soma nominal média das alíquotas de impostos sobre automóveis é de cerca de 30 pontos percentuais. Então a carga tributária, que todos sentem no bolso, fica bem salgada: 100 (com imposto) divido por 70 (sem imposto) dão 1,43 ou 43% (arredondado). A verdade nua e crua é que um automóvel vendido por R$ 30.000 custaria em torno de R$ 21.000, sem impostos, ou R$ 22.300 com carga tributária aproximadamente igual à dos EUA, por exemplo.

Se esse modelo tivesse motor com mais de 2 litros/gasolina, a “mordida” subiria para 54%. Em carros importados, fora da cota anual de IPI majorado e com impostos em cascata, vai além de 100%.


Conforme essa coluna comentou de outras vezes, se discutir preços no Brasil já é complicado pela matemática frívola de aloprados de plantão, comparar com o exterior torna-se pior pela variação de valor das moedas. Já nem surpreende o sindicalista João Cayres, em audiência pública de uma comissão do Senado Federal semana passada, afirmar que “só no Brasil um Camaro custa mais que um Mercedes”. Esqueceu-se de conferir que o modelo específico exportado para cá tem tabela 20% superior nos EUA e no mundo inteiro.


Na mesma comissão distribuiu-se lista comparativa de modelos vendidos nos EUA e aqui, sem considerar diferenças de versões, frete local e... impostos! Entretanto, ninguém pensou em cotejar preços de varejo com a Europa, onde existe afinidade entre produtos e versões do mercado brasileiro. Por uma “mágica” chamada valorização do euro frente ao real, a maioria dos modelos vendidos no Brasil já têm o mesmo preço nominal ou são mais baratos, mesmo sem considerar a diferença de impostos.

Nem adianta se aprofundar nas diferentes estratégias tributárias dos países, como taxar mais o consumo ou a renda. Muita gente já tem cabeça feita, não gosta de fazer contas, faz comparações “incomparáveis” (inclusive com o México) e desconsidera variações cambiais que levam a sérias distorções para o mal e para o bem (ora o carro fica mais caro, ora mais barato). O Brasil, sim, tem problemas graves de custos de produção, infraestrutura, tributação, ineficiência, produtividade e, o principal, de educação formal e especializada.

Difícil aceitar perder tempo com discussões inócuas e de foco errado nas comissões legislativas em Brasília. Costuma descambar para viés ideológico, em vez de atacar de frente nossas próprias mazelas.


RODA VIVA


PROPOSTA de substituir o imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA) por outro sobre circulação, a exemplo do exterior, levaria a uma renovação natural da frota. Benéfica ao meio ambiente e diminuiria panes que tanto atrapalham o trânsito. Alíquota, porém, precisaria ser menor que a de hoje. Sem contar possíveis votos perdidos dos “prejudicados”.


HONDA traça planos audaciosos e ainda não anunciados em pesquisa e desenvolvimento no País. Às novas instalações de Sumaré (SP), se agregarão infraestrutura para colisões contra barreira e até túnel de vento, além de campo de provas. Parte dessas iniciativas é reservada à fábrica vizinha de Itirapina, em construção. Além do SUV pequeno, um compacto está na mira.


EXISTEM coisas impressionantes no Golf GTI, além do motor turbo de 2 litros/220 cv, estabilidade em curvas e direção que parece entender o pensamento. Entre os modos esporte e de economia escolhidos por toque na tela a diferença de consumo em estrada pode superar 20%. Segredo: ao levantar o pé do acelerador o motor vai para marcha-lenta.

EUROPEUS, finalmente, decidiram mudar seus ciclos de medição de consumo e aderir à projetada unificação mundial desse critério. Também confirmaram a meta de 95 g/km de CO2 em 2020. Porém, haverá mais três anos para que carros de baixo consumo/emissão recebam bônus e aliviem a forma de cálculo da frota média de cada fabricante.

DELPHI confirmou que no final do ano um fabricante europeu adotará seu sistema de gel acumulador de frio no ar-condicionado. Sem esse recurso, o start-stop (desliga-liga o motor automaticamente em paradas) traria desconforto em países de clima quente, como o nosso, ou reduziria pouco o consumo.

Fernando Calmon (fernando@calmon.jor.br), jornalista especializado desde 1967, engenheiro, palestrante e consultor em assuntos técnicos e de mercado nas áreas automobilística e de comunicação. Sua coluna automobilística semanal Alta Roda começou em 1º de maio de 1999. É publicada em uma rede nacional de 98 jornais, sites e revistas. É, ainda, correspondente no Brasil do site just-auto (Inglaterra).


Comentários

Embora eu odeie o Calmon, dessa vez tive que reconhecer que ele tem total razão nesse ponto referente aos impostos. Na prática, se for analisar mais a fundo e levar em conta até o imposto de renda que os peões da fábrica pagam (atribuído nas planilhas apresentadas pelo governo apenas no balaio-de-gato do custo da mão-de-obra), e estender essa análise aos sistemistas e às siderúrgicas, capaz do peso dos impostos beirar uns 80% do preço de tabela dum populixo.